Porque hoje é sábado
parei a pensar o que hoje pensei.
E espreitei a frincha da verdade.
Só nos nascimentos e nas mortes saímos do tempo. A terra detém a sua rotação, e as trivialidades em que desperdiçamos horas caem ao chão como pó de purpurina. Quando uma criança nasce ou uma pessoa morre, o presente parte-se ao meio e deixa-nos espreitar por um instante a frincha da verdade: monumental, ardente e imutável.
A ridícula ideia de não voltar a ver-te – Rosa Montero
Também eu.
Cada vez que um filho nasceu,
cada vez que quem amo morreu,
sobretudo aqueles de que nem consigo falar,
libertei-me do tempo e do espaço.
E de cada vez que aconteceu
“espreitei esse instante
da frincha da verdade”
e não mais fui eu.
Amassado na levedura
da dor, dos carinhos, da ternura,
busquei o equilíbrio
na partilha do gostar
e do brincar,
na busca do chão imaculado,
e dos silêncios,
na tua companhia
e na de cada outro
como se fosse único.
E quase nos oitenta,
sacudi o pó dos pés
e sou caminhante afortunado.
E hoje,
neste entardecer
que parei para pensar,
vou descansar, sereno,
olhando os cumes.