Porque hoje é sábado
parei a pensar o que hoje pensei.
E que pensei?
Não matem a cotovia.
“As cotovias não fazem mais nada senão cantar para satisfação nossa. Não comem coisas nos jardins das pessoas, não fazem ninhos nas searas, não causam danos a ninguém. É por isso que é pecado matar uma cotovia.“
Harper Lee – Não matem a cotovia
Serei uma burla? Um logro? Uma ilusão?
Levantei o tapete
e pus a descoberto
um mundo
que finjo não ser meu.
É certo.
Que já olhei, olhos nos olhos
quantos vi morrer.
Que eu já vi morrer
gente importante,
de título, de fama e preconceito.
Gente sem nome,
com número de apelido,
vagueando vazio, sem sentido,
gente de fé, de força e ousadia,
gente de loa, de treta e cobardia,
outros tantos despojados do jardim
onde colhiam suas rosas encarnadas.
Mas ver morrer, de morte natural
toda essa multidão. Isso é normal.
Mas rir de lado à voz desse poeta
que pulveriza o ar com utopias
crente no amor,
e lança ao charco pedras
para nos abalar.
Mas ver chacotear
quem colhe uma flor
e sem saber nem como nem porquê
se vê posto de lado, ainda sorrindo,
por ser de outra cor.
Ou ver eliminar
quem segue sereno o seu caminho
e aos soluços e tropeços
trepa a pulso a montanha dos valores
e tomba já próximo do cume
derrubado pelos donos da verdade.
E que fiz eu nesse mundo
que finjo não ser meu?
Baixo o tapete.
Escondo tais misérias
no vácuo da rotina,
que quando só, sou pedras de caminho
onde a semente não germina.
Até que te encontrei, já perto do final,
meu companheiro de jorna e de jornada.
E tu mais eu mais tantos quanto queiram,
vamos erguer nossos tapetes voadores
para varrer o lixo destapado,
converter o ódio em poesia
e proibir até final, porque é pecado
que matem a cotovia.