Porque hoje é sábado e dia de reflexão,
parei a pensar o que hoje pensei.
E refleti.
“Um dia a gente arranjou numa fazenda uma cabaça d’água
pra continuar a viagem. João Janjão ia com ela,
só dava água de ração. A gente ia morto de sede.
Foi quando a gente encontrou outro homem, um branco
que já estava morre morrendo de sede. João Janjão
quis dar água, eu não deixei. Mas eu juro que só tinha
um restinho, nem dava pra eu e ele… E ele ainda queria dar
para o homem branco… Ele tinha o olho da piedade bem aberto…
Mas o meu, a sede tinha secado. Tinha ficado somente o da ruindade…”
Jorge Amado – Jubiabá
Basta, amigo.
Chega só protestos.
Está na hora da insurreição.
É chegado o tempo da revolta
das ternuras, dos abraços, dos afetos,
que a guerra das balas teve um fim.
Vem lançar rosas no campo de batalha,
virando os cadáveres num jardim.
Conto contigo para soltar em altos brados
o que tens de mais secreto e mais ousado,
para unir quanto partem aos bocados.
Houve tempos em que eu vivia um céu estranho
de inércia, modorra e bem estar.
Tudo era fácil e frágil.
Ter ou não ter, ou ser, pouco importava,
que ao rebanho obediente e alinhado
uma bandeja de prata tudo dava
sem luta, nem zelo, nem penar.
Houve tempos em que eu vivia um céu estranho.
E meu umbigo inchava, embevecido,
tomando a vez do belo e do gratuito,
que outrora houvera em mim.
Até que a crise desabou.
E abalou as modorras e as bandejas
do ter e do viver.
Houve tempos em que eu vivia um céu estranho.
Mas nesse primeiro dia de crise,
olhei à minha volta e vi que estava só.
Assisti ao apagar-se, uma a uma
as velas das crenças e dos valores.
Vi o mundo das cores e dos saberes
virado em preto e branco,
trocado em trocos na guerra dos mercados,
na miséria envergonhada e nos favores.
Mergulhei fundo num mundo que é só meu,
buscando o belo e o gratuito, sem senhores.
E podes crer. Essa madrugada, despertei
de pele mudada e alma renascida,
criando do nada a abundância.
Houve tempos em que eu vivia um céu estranho.
Mas olho à minha volta e vejo não estar só,
ao ver ressuscitar os sonhos outrora só desejos.
Perplexo,
descubro uma brisa de esperança
em gestação nesta crise anunciada.
Vejo gerações indiferentes dar as mãos.
Vejo próximos, antes mudos e distantes,
sofrendo as dores de vizinhos reformados
sem sorte, nem norte nem destino.
Vejo gente, outrora cara ao lado,
olhar nos olhos, parceiros desvairados
ao verem fugir entre os dedos quanto têm.
Vejo fomes matar fomes, penúrias as penúrias,
vejo crenças gerar crenças, vontades as vontades.
Vejo gente, outrora indiferente
doando a vida fingindo ser ninguém.
E nesta brisa de esperança em gestação,
conto contigo para soltar em altos brados
gritos de nojo do que partem aos bocados.
É chegado o tempo da revolta
das ternuras, dos abraços, dos afetos,
das rosas no campo de batalha
virado num jardim.
E amanhã, em dia de eleição,
é hora de votar e dizer não.