E pensei ontem

Porque hoje é sábado
parei a pensar o que hoje pensei.
E pensei ontem.

 

A experiência é uma lanterna dependurada nas costas que apenas ilumina o caminho já percorrido.
Confúcio

Arca
da Aliança

É Natal.

Chegou a hora.

Já o mereço.
O tal presente
muito especial.

Após tantas venturas
e fracassos,
amarguras,
desesperos
e doçuras,
de fé rochedo
e dúvida metódica,
chegou a minha vez.

Pedi à Mãe do Céu
que segredasse
à minha Mãe da Terra
este desejo.

Que ela
bem conhece
os meus segredos.

Foi ela
que escolheu
os meus brinquedos
de menino.

Que fogos fátuos
apagou
na minha juventude.

E que virtudes
inventou
da minha pequenez.

E aquele beijo
de ternura
que não volta.

E aquele grito
de revolta
e amargura
na noite da partida.

Pedi à Mãe do Céu
que segredasse
à minha Mãe da Terra
a prenda de Natal.

E adormeci.

Manhã cedo,
suspenso
na esperança
do meu sonho,
corri escada abaixo
buscando o sapatinho.

E fui ouvido.

E ei-la.

A minha prenda.

A Arca da Aliança.

Com que esperança
a abri.

Fui retirando
uma a uma
as memórias que continha.

……………………………

Aquela vez,
com medo do escuro,
confrontei a morte
da primeira vez
ao chegar da escola.
E saltei o muro.
Era a minha Avó.
Daquela vez.

Aquela vez,
doente a fingir,
fugindo da escola
tentei enganar
o meu pai.
Mas ele mais sabido
mandou-me vestir.
Daquela vez.

Aquela vez,
uma palavra bastou
para o encontro com Deus
de tão perto
que quase O toquei.
Estou certo
que Ele me falou.
E ficou.
Daquela vez.

Aquela vez,
por acaso ou destino
descobrindo o amor
no Gerez
sonhado a valer.
Podeis crer
que valeu até hoje.
Daquela vez.

Aquela vez,
ainda era novo.
Julgando poder
brincar com o fogo
por pouco queimava,
sem querer,
o quanto tocava.
Daquela vez.

Aquela vez,
ao pores de lado
com murro na mesa
o que ainda restava
da tua tristeza,
escolheste o futuro
como teu aliado.
Daquela vez.

Aquela vez
que te busquei
em todo o lado
por tanto gostar.
E tendo-te achado
seguimos caminho
sem nada culpar.
Daquela vez.

Aquela vez,
na solidão,
escrevi-te um poema
com pena de mim.
Previra-me o fim.
Deitaste-me a mão
entretanto,
e segui.
Daquela vez.

Aquela vez,
desci a Lisboa
de mala e de trapos na mão.
E quando voltei
trazia a mala
mais cheia
com outra lição.
Daquela vez.

Aquela vez,
naquele Natal
à volta da mesa
e a Avó a sorrir.
Vivemos a paz
sem cuidar
do que vinha a seguir.
Daquela vez

Aquela vez,
provamos distante
como é saboroso
encontrar quem nos ama.
Que bom voltar confiante
sabendo que a chama
prossegue.
Daquela vez.

……………………………….

Mau grado
as tantas histórias
contadas aqui,
mais as que esqueci
e aquelas
que recuso lembrar
mas que irão figurar
nas minhas memórias,
a Arca jamais cerrará.

Promessa que fiz
a quem ma ofereceu.

Podes crer
meu irmão.

A Arca irá recolher
as tuas memórias,
as histórias dos teus filhos
e as dos filhos dos teus filhos
até à terceira
e quarta geração.

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