Porque hoje é sábado
parei a pensar o que hoje pensei.
E pensei lesto.
Fernando Pessoa escreveu:
Tudo o que dorme é criança de novo. Talvez porque no sono não se possa fazer mal e se não dá conta da vida, o maior criminoso, o mais fechado egoísta é sagrado por uma magia natural, enquanto dorme. Entre matar quem dorme e matar uma criança não conheço diferença que se sinta.
Lido ao deitar, este texto fez-me sonhar.
Esta noite
sonhei dócil.
Despi cedo
quanto tenho
e quanto valho
e virei criança.
Corri lesto
os canteiros do jardim
a colher caracóis
a tostão cada um.
Caí logo
dos patins novos
recebidos no presente
dos três anos.
Acenei largo
a um mundo de gente
da janela do comboio,
naquela primeira viagem.
Deixei fácil
correr a caneta
na parede caiada
do meu quarto de criança.
Chorei só
ao entender
que chegavam ao fim
os contos da minha avó.
Aprendi fácil
que o gostar se aprende
com todos aqueles
que gostam de nós.
Acreditei fundo
que crer em Deus
estava na amizade
do puto da casa do lado.
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Na manhã seguinte
acordei a cantar.
Que o sonho
do sono da noite
ressuscitou utopias
há tanto esquecidas.
Prometi ao sono
da noite que vem
voltar a sonhar
virado criança.
Que quando cantar
na manhã seguinte
estarei, estou certo,
mais perto de ti.